Híbridos de eternidade e afetos singulares
1) Dois modos de expressão (existência):
- existir necessariamente (virtual -> atual)
- existir possivelmente (possível -> real)
Abrem-se duas séries:
- substância; infinito/eterno; natureza naturante; causa de si...
- modos; finito/duração; natureza naturada; causa externa...
Só Deus é causa livre, isto é, existe e age em virtude da única necessidade de sua natureza.
No regime modal (das coisas singulares), nada pode ser absolutamente livre. Conforme axioma do livro 4, o livro da servidão:
“Não existe, na Natureza, nenhuma coisa singular tal que não exista uma outra mais poderosa e mais forte que ela. Mas, dada uma coisa qualquer, é dada uma outra mais poderosa pela qual a primeira pode ser destruída.”
2) Há uma fenda e uma incomensurabilidade (nullem proportionem) entre essas duas séries.
Tudo que existe só pode ser e ser concebido necessariamente na primeira série (em Deus; substância, natureza naturante), mas é também afecção, modificação da substância (modo, natureza naturada), estando sujeito ao possível e ao contingente.
Essa dupla-articulação (que não é um dualismo de tipo cartesiano, que viria separar corpo-mente ou deus-natureza), essa ontologia bimembre, esse paralelismo das duas séries põe propriamente um “problema espinosano”, é o próprio plano de imanência de seu pensamento que se traça nas idas e vindas, a velocidades infinitas, de uma série a outra.
Em termos geometricamente gerais, pode-se dizer que o grande problema para Espinosa é o da maior ou menor concordância/adequação de uma série com a outra.
(Por isso, as definições do livro 4: bem, mal, coisas contingentes, coisas possíveis, afecções contrárias, apetite, virtude, potência).
3) A proposição XXIV do livro 1 é muito interessante para aprofundar a compreensão dessa “dis-proporção” entre as duas séries: “a essência das coisas produzidas por Deus não implica a existência”.
Enquanto coisas singulares (modos) não devem sua existência à única necessidade da sua essência, mas ela sempre depende também do concurso de causas externas. E no corolário dessa proposição afirma que dela se segue que ”Deus não apenas é causa de que as coisas comecem a existir, mas também que perseverem na existência...”
Destaca-se a centralidade do conceito de conatus no pensamento espinosano...
(E é o princípio de uma trajetória do pensamento que buscará, mais adiante, uma compreensão das biopolíticas como “estratégias do conatus”!)
4) O grande problema espinosano, posto por sua ontologia bimembre, é o da “condensação” dessas duas séries em todas as coisas singulares.
Por exemplo, a “condensação” no indivíduo das relações entre “essência individual” (potência) e as “condições externas” (plano do coletivo: plano de relações, agenciamentos, inginia).
Somos híbridos de eternidade e afetos singulares, de potência e atualizações.
Há atualizações (regimes afetivos, hábitos passionais) que se acomodam/adequam mais ou menos bem com a essência individual (potência). Mesmo sem sabermos tudo o que pode um corpo, é possível reconhecer facilmente se uma dada atualização desse corpo aumenta ou diminui sua potência, enriquece ou restringe sua essência individual, aumenta ou diminui sua perfeição, sua força de existir.
Mas mesmo que uma dada potência se atualize através de um agenciamento que se acomode mal com sua essência individual, esse agenciamento, ainda assim, existe na perseverança, ele se esforça por perseverar em ser, mesmo quando isso pode, no limite, concorrer para sua ruína.
Para Espinosa, a contradição é, por definição, exterior à essência de uma coisa qualquer, ela depende sempre do concurso de condições exteriores intervindo na atualização dessa essência. E se a contradição pode chegar a “colar” nessa essência atual, se ela pode chegar a ser “interiorizada” em um agenciamento, é graças à positividade do conatus, graças ao fato de todo agenciamento (de potência) estar submetido à lei da perseverança...
É isso, por exemplo, que eu acho mais importante reter em toda a discussão que fizemos sobre o suicídio...
A propósito, há um desastre aéreo no meio da cidade.
É preciso admitir que há um certo grau de integração à paisagem.
A catástrofe integrada à essência atual do transporte aéreo (?).
Como entender a perseverança em agenciamentos que concorrem para sua ruína?
Quais as poderosas causas externas que agenciam esse conatus passional?
Produzir a transfiguração do mundo numa paisagem de relações, afetos e potências, sob as lentes de Espinosa...
Dá trabalho!
- existir necessariamente (virtual -> atual)
- existir possivelmente (possível -> real)
Abrem-se duas séries:
- substância; infinito/eterno; natureza naturante; causa de si...
- modos; finito/duração; natureza naturada; causa externa...
Só Deus é causa livre, isto é, existe e age em virtude da única necessidade de sua natureza.
No regime modal (das coisas singulares), nada pode ser absolutamente livre. Conforme axioma do livro 4, o livro da servidão:
“Não existe, na Natureza, nenhuma coisa singular tal que não exista uma outra mais poderosa e mais forte que ela. Mas, dada uma coisa qualquer, é dada uma outra mais poderosa pela qual a primeira pode ser destruída.”
2) Há uma fenda e uma incomensurabilidade (nullem proportionem) entre essas duas séries.
Tudo que existe só pode ser e ser concebido necessariamente na primeira série (em Deus; substância, natureza naturante), mas é também afecção, modificação da substância (modo, natureza naturada), estando sujeito ao possível e ao contingente.
Essa dupla-articulação (que não é um dualismo de tipo cartesiano, que viria separar corpo-mente ou deus-natureza), essa ontologia bimembre, esse paralelismo das duas séries põe propriamente um “problema espinosano”, é o próprio plano de imanência de seu pensamento que se traça nas idas e vindas, a velocidades infinitas, de uma série a outra.
Em termos geometricamente gerais, pode-se dizer que o grande problema para Espinosa é o da maior ou menor concordância/adequação de uma série com a outra.
(Por isso, as definições do livro 4: bem, mal, coisas contingentes, coisas possíveis, afecções contrárias, apetite, virtude, potência).
3) A proposição XXIV do livro 1 é muito interessante para aprofundar a compreensão dessa “dis-proporção” entre as duas séries: “a essência das coisas produzidas por Deus não implica a existência”.
Enquanto coisas singulares (modos) não devem sua existência à única necessidade da sua essência, mas ela sempre depende também do concurso de causas externas. E no corolário dessa proposição afirma que dela se segue que ”Deus não apenas é causa de que as coisas comecem a existir, mas também que perseverem na existência...”
Destaca-se a centralidade do conceito de conatus no pensamento espinosano...
(E é o princípio de uma trajetória do pensamento que buscará, mais adiante, uma compreensão das biopolíticas como “estratégias do conatus”!)
4) O grande problema espinosano, posto por sua ontologia bimembre, é o da “condensação” dessas duas séries em todas as coisas singulares.
Por exemplo, a “condensação” no indivíduo das relações entre “essência individual” (potência) e as “condições externas” (plano do coletivo: plano de relações, agenciamentos, inginia).
Somos híbridos de eternidade e afetos singulares, de potência e atualizações.
Há atualizações (regimes afetivos, hábitos passionais) que se acomodam/adequam mais ou menos bem com a essência individual (potência). Mesmo sem sabermos tudo o que pode um corpo, é possível reconhecer facilmente se uma dada atualização desse corpo aumenta ou diminui sua potência, enriquece ou restringe sua essência individual, aumenta ou diminui sua perfeição, sua força de existir.
Mas mesmo que uma dada potência se atualize através de um agenciamento que se acomode mal com sua essência individual, esse agenciamento, ainda assim, existe na perseverança, ele se esforça por perseverar em ser, mesmo quando isso pode, no limite, concorrer para sua ruína.
Para Espinosa, a contradição é, por definição, exterior à essência de uma coisa qualquer, ela depende sempre do concurso de condições exteriores intervindo na atualização dessa essência. E se a contradição pode chegar a “colar” nessa essência atual, se ela pode chegar a ser “interiorizada” em um agenciamento, é graças à positividade do conatus, graças ao fato de todo agenciamento (de potência) estar submetido à lei da perseverança...
É isso, por exemplo, que eu acho mais importante reter em toda a discussão que fizemos sobre o suicídio...
A propósito, há um desastre aéreo no meio da cidade.
É preciso admitir que há um certo grau de integração à paisagem.
A catástrofe integrada à essência atual do transporte aéreo (?).
Como entender a perseverança em agenciamentos que concorrem para sua ruína?
Quais as poderosas causas externas que agenciam esse conatus passional?
Produzir a transfiguração do mundo numa paisagem de relações, afetos e potências, sob as lentes de Espinosa...
Dá trabalho!
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