domingo, julho 22, 2007

Híbridos de eternidade e afetos singulares

1) Dois modos de expressão (existência):

- existir necessariamente (virtual -> atual)
- existir possivelmente (possível -> real)

Abrem-se duas séries:

- substância; infinito/eterno; natureza naturante; causa de si...
- modos; finito/duração; natureza naturada; causa externa...

Só Deus é causa livre, isto é, existe e age em virtude da única necessidade de sua natureza.
No regime modal (das coisas singulares), nada pode ser absolutamente livre. Conforme axioma do livro 4, o livro da servidão:

Não existe, na Natureza, nenhuma coisa singular tal que não exista uma outra mais poderosa e mais forte que ela. Mas, dada uma coisa qualquer, é dada uma outra mais poderosa pela qual a primeira pode ser destruída.”

2) Há uma fenda e uma incomensurabilidade (nullem proportionem) entre essas duas séries.
Tudo que existe só pode ser e ser concebido necessariamente na primeira série (em Deus; substância, natureza naturante), mas é também afecção, modificação da substância (modo, natureza naturada), estando sujeito ao possível e ao contingente.
Essa dupla-articulação (que não é um dualismo de tipo cartesiano, que viria separar corpo-mente ou deus-natureza), essa ontologia bimembre, esse paralelismo das duas séries põe propriamente um “problema espinosano”, é o próprio plano de imanência de seu pensamento que se traça nas idas e vindas, a velocidades infinitas, de uma série a outra.
Em termos geometricamente gerais, pode-se dizer que o grande problema para Espinosa é o da maior ou menor concordância/adequação de uma série com a outra.
(Por isso, as definições do livro 4: bem, mal, coisas contingentes, coisas possíveis, afecções contrárias, apetite, virtude, potência).

3) A proposição XXIV do livro 1 é muito interessante para aprofundar a compreensão dessa “dis-proporção” entre as duas séries: “a essência das coisas produzidas por Deus não implica a existência”.
Enquanto coisas singulares (modos) não devem sua existência à única necessidade da sua essência, mas ela sempre depende também do concurso de causas externas. E no corolário dessa proposição afirma que dela se segue que ”Deus não apenas é causa de que as coisas comecem a existir, mas também que perseverem na existência...”
Destaca-se a centralidade do conceito de conatus no pensamento espinosano...
(E é o princípio de uma trajetória do pensamento que buscará, mais adiante, uma compreensão das biopolíticas como “estratégias do conatus”!)

4)
O grande problema espinosano, posto por sua ontologia bimembre, é o da “condensação” dessas duas séries em todas as coisas singulares.
Por exemplo, a “condensação” no indivíduo das relações entre “essência individual” (potência) e as “condições externas” (plano do coletivo: plano de relações, agenciamentos, inginia).
Somos híbridos de eternidade e afetos singulares, de potência e atualizações.
Há atualizações (regimes afetivos, hábitos passionais) que se acomodam/adequam mais ou menos bem com a essência individual (potência). Mesmo sem sabermos tudo o que pode um corpo, é possível reconhecer facilmente se uma dada atualização desse corpo aumenta ou diminui sua potência, enriquece ou restringe sua essência individual, aumenta ou diminui sua perfeição, sua força de existir.
Mas mesmo que uma dada potência se atualize através de um agenciamento que se acomode mal com sua essência individual, esse agenciamento, ainda assim, existe na perseverança, ele se esforça por perseverar em ser, mesmo quando isso pode, no limite, concorrer para sua ruína.
Para Espinosa, a contradição é, por definição, exterior à essência de uma coisa qualquer, ela depende sempre do concurso de condições exteriores intervindo na atualização dessa essência. E se a contradição pode chegar a “colar” nessa essência atual, se ela pode chegar a ser “interiorizada” em um agenciamento, é graças à positividade do conatus, graças ao fato de todo agenciamento (de potência) estar submetido à lei da perseverança...

É isso, por exemplo, que eu acho mais importante reter em toda a discussão que fizemos sobre o suicídio...

A propósito, há um desastre aéreo no meio da cidade.
É preciso admitir que há um certo grau de integração à paisagem.
A catástrofe integrada à essência atual do transporte aéreo (?).
Como entender a perseverança em agenciamentos que concorrem para sua ruína?
Quais as poderosas causas externas que agenciam esse conatus passional?

Produzir a transfiguração do mundo numa paisagem de relações, afetos e potências, sob as lentes de Espinosa...
Dá trabalho!

quinta-feira, junho 28, 2007

"A criança não pára de dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar o mapa correspondente. Os mapas dos trajetos são essenciais à atividade psíquica. O que o pequeno Hans reivindica é sair do apartamento familiar para passar a noite na vizinha e regressar na manhã seguinte: o imóvel como meio. Ou então: sair do imóvel para ir ao restaurante encontrar com a menininha rica, passando pelo entreposto de cavalos: a rua como meio."
Deleuze, Critica e Clínica , "O que dizem as crianças"



"A saída é pela porta. Por que será que ninguém quer abrir?"
(Confúcio, 551-479 a.c.)

quarta-feira, junho 27, 2007

Espinosa e nós

"Não é apenas uma questão de música, mas de maneira de viver: é pela lentidão que a gente desliza entre as coisas, que a gente se conjuga com outra coisa: a gente nunca começa, nunca recomeça tudo novamente, a gente desliza por entre, se introduz no meio, abraça-se ou se impõe ritmos."
Gilles Deleuze

MAPA SALVADOR

A guia

sexta-feira, maio 11, 2007

Ubi solitudinem faciunt pacem appellant

"Lá onde foi feito um deserto, eles falam de paz"
Tácito, A Vida de Agrícola

A multidão é o contrário da solidão

Se nos lembrarmos que a finalidade da república é a liberdade e que, por isso mesmo, a função do Estado não pode consistir em transformar os homens em "animais" ou em "autômatos", ou seja, em seres privados do mundo comum e do poder de construi-lo, podemos colocar, inversamente, que as duas tendências contra as quais se deverá necessariamente construir um mundo comum (e um corpo político resistindo em regime de paz) sejam exatamente a automação e a animalização. A automação (que pode ser, aliás, uma servidão feliz na adesão a uma forma de vida, como foi o caso no Estado hebreu [e é o caso de nosso "reino monárquico do mercado" e da presença "mágico-reeligiosa da mercadoria"]) e a animalização, segundo um regime de guerra levado até o limite do terror que apaga toda comunidade e "no qual se dá, diz Spinoza, o nome de paz à escravidão, à barbárie e à solidão".

Fragmento do texto Política: "Eu entendo por isso uma vida humana" - Democracia e Ortodoxia em Spinoza do filósofo Laurent Bove.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

ATITUDE SUSPEITA

Ações simultâneas nas câmeras de vigilância do centro da cidade. Atitudes suspeitas: pontos cegos começam a se movimentar diante dos Olhos Vigias, um Homem-câmera desfila com a seguinte frase em seu corpo "Quem vigia o Vigia?"; Mascarado de Andrea Matarazzo abaixa suas calças (estava de bermuda por baixo), senta em um penico e lê um texto sobre o Panóptico (camelôs assistem e se divertem com a situação); Bexigas coloridas tapam mais um Olho Vigia 360o.; outro Olho Vigia é olhado por três Olhos Gigantes; Homens-placa com os dizeres "Em Exposição"; duas Ratas munidas de tabuleiros recheados de materiais suspeitos trocam a mercadoria diante do Olho da Praça da República; um poeta declama sua poesia, enquanto sua atitude é reprovada por uma pessoa de óculos amarelos em forma de coração, ambos correm no meio dos calçadoes da Sé (as pessoas gritam Pega! Pega! Todos olham). Mais e mais ações aconteceram, porém os meus olhos nao conseguiram acompanhar.

domingo, novembro 26, 2006

As três éticas de Spinoza

A Coletividade Nômade é uma TAZ?

Será ela uma sociedade secreta espinosista?
Uma tong de contrabandistas de idéias e afetos?
Ou será uma Zona Autônoma Periódica?
Uma flutuação de potência, na dependência do quanto conseguimos ter força para fazer a Zona Autônoma durar...
Às vezes, a TAZ se torna algo grande demais para nossa potência...
De quantos dias de festa somos capaz?

Existem algumas coisas que são inerentemente temporárias. E existem outra coisas que são temporárias somente porque não somos fortes o suficiente para fazê-las permanentes. Digamos que você se instala por alguns meses em um lugar bonito perto de uma floresta, na beira de um lago, no verão, com alguns amigos e você tem uma TAZ verdadeira. Erotismo e beleza natural e liberdade pra correr pelado por aí e fumar maconha ou fazer o que você quiser. Mas como isto tudo é movido pelo dinheiro que as pessoas têm que fazer no mercado onde elas vendem o trabalho, isto pode durar somente um certo tempo. Nós gostaríamos de fazer isto durar para sempre, transformado a TAZ em uma PAZ, uma Zona Autônoma Permanente (Permanent Autonomous Zone). Nós não temos o poder econômico para fazer isto. É temporário somente porque nos falta o poder para fazermos isto mais permanente.
Outras coisas são claramente temporárias, e devem ser apreciadas pela sua temporalidade. Quando a essência saiu delas nós devemos perceber isto, e deixar esta forma em busca de outras formas. Então uma certa quantidade do que vem sendo chamado de “trabalho de flutuação” é necessário. Você tem que estar sintonizado com onde a liberdade e o prazer estão sendo potencializados e onde não estão, para que você possa espontaneamente se manter flutuando e ficar à frente desse fenômeno.
(HB)

A qualquer momento uma TAZ pode ocorrer. Em um nível mínimo, um jantar na casa de alguém pode repentinamente evoluir em uma TAZ. Não qualquer jantar, mas o potencial está lá porque é organizado de uma maneira não hierárquica, para convivência. E, em um nível máximo, você teve Zonas Autônomas Temporárias que duraram muito mais, onde a festa na realidade continuou por alguns anos. Quando estamos falando sobre a Zona Autônoma Temporária, per se, como nodos realmente intensos de consciência e ação, é possível que os seres humanos não possam aguentar muito disso. Talvez dezoito meses ou dois anos de festa contínua seja tudo que alguém pode aguentar. (HB)

O que é Terrorismo Poético?

HB: Por terrorismo poético eu entendo ações não-violentas em larga escala que podem ter um impacto psicológico comparável ao poder de um ato terrorista - com a diferença de que o ato é de mudança de consciência. Digamos que você tem um grupo de atores de rua. Se você chamar o que você está fazendo de “performance de rua”, você já criou uma divisão entre o artista e a audiência, e você alienou de si mesmo qualquer possibilidade de colidir diretamente nas vidas diárias da audiência. Mas se você pregar uma peça, criar um incidente, criar uma situação, pode ser possível persuadir as pessoas a participar e a maximizar sua liberdade. É uma estranha mistura de ação clandestina e mentira (que é a essência da arte) com uma técnica de penetração psicológica de aumento da liberdade, tanto no nível individual quanto no social.

FREE HUG = TERRORISMO POÉTICO

O que é a Zona Autônoma Temporária?

Resposta do Hakim Bey (retirada da entrevista indicada no último post):
A Zona Autônoma Temporária é uma idéia que algumas pessoas acham que eu criei, mas eu não acho que tenha criado ela. Eu só acho que eu pus um nome esperto em algo que já estava acontecendo: a inevitável tendência dos indivíduos de se juntarem em grupos para buscarem liberdade. E não terem que esperar por ela até que chegue algum futuro utópico abstrato e pós-revolucionário.
A questão é: como os indivíduos em grupos maximizam a liberdade sob as situações dos dias de hoje, no mundo real? Eu não estou perguntando como nós gostaríamos que o mundo fosse, nem naquilo em que nós estamos querendo transformar o mundo, mas o que podemos fazer aqui e agora. Quando falamos sobre uma Zona Autônoma Temporária, estamos falando em como um grupo, uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizada, pode maximizar a liberdade por eles mesmos numa sociedade atual. Organização para a maximização de atividades prazeirosas sem controle de hierarquias opressivas.
Existem pontos na vida de todos que as hierarquias opressivas invadem numa regularidade quase diária; você pode falar sobre educação compulsória, ou trabalho. Você é forçado a ganhar a vida, e o trabalho por si só é organizado como uma hierarquia opressiva. Então a maioria das pessoas, todos os dias, tem que tolerar a hierarquia opressiva do trabalho alienado.
Por essa razão, criar uma Zona Autônoma Temporária significa fazer algo real sobre essas hierarquias reais e opressivas – não somente declarar nossa antipatia teórica a essas instituições. Você vê a diferença que eu coloco aqui?

domingo, novembro 12, 2006

Entrevista com Hakim

Sobre potencializar TAZ: entrevista com HB

terça-feira, julho 04, 2006

Sorria! Você está sendo roubado!

Este quer ser o blog comunitário de um grupo de estudos.
Seu comentário é uma vespa pousando numa orquídea.
Sorria. Você já foi roubado.
No encontro de um catatau com uma coletividade nômade, a chance única de sairmos dos blogs através dos blogs.
De sairmos da comunicação, através da comunicação.
E quem sabe uma cintilação de inteligência impessoal se produzir.
Uma centelha de luz brilhar nos buracos negros de um rosto.
Um bloco de devir saltar de um muro branco.
Mãos ao alto! E vai passando pra cá todos seus comentários, catatau!

Vespa na orquídea

Oi!

Li o texto sobre a natureza naturans, e tinha algo a opinar. Sugestão: abra os comentários a todos os posts!

Gostei muito desse blog, acho que há ressonâncias com o meu. Sobre Bey, acho que o 'xamanismo' não se trata propriamente das religiões que Bey menciona, mas sim sobre as próprias potências que essas religiões agenciam, alterando as relações ordinárias. Não um retorno (necessário) a essas religiões, mas o agenciamento de suas potencialidades. Obviamente, o interessante é que Bey não descarta esses tipos de reunião. Suas próprias possibilidades já fazem com que TAZ possam ser criadas...

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Posted by catatau to Coletividade Nômade at 7/01/2006 11:04:33 AM

segunda-feira, maio 22, 2006

CORAGEM

Naquela hora, eu (Riobaldo) cismasse de perguntar a Diadorim:
- "Tu não acha que todo o mundo é doido? Que um só deixa de dôido ser é em horas de sentir a completa coragem ou o amor? Ou em horas em que consegue rezar?"

quarta-feira, abril 19, 2006

O homem que queria ficar de pé

Uma das características do nosso mundo é que ele está sentado.
O mímico corporal se coloca de pé.
Ele passa seu tempo representando tudo o que trabalha com o corpo, como se dissesse: “Vocês estão vendo, nós ainda podemos nos mover, podemos fazer outra coisa além de ficarmos sentados”. Podemos nos movimentar, nos levantar, fazer esforços, e quando o corpo se desloca, é uma espécie de lição.
Se dedicar à mímica é ser um militante, um militante de alguma coisa, um militante do movimento num mundo que está sentado.
É como se quiséssemos mudar o mundo convidando-o a se levantar, a se deslocar.
Alguns me dirão: “Mas você não conseguirá, não é possível! Você não mudará o mundo !”
Eis então porque vou terminar dizendo: Não é necessário esperar para empreender, nem vencer para perseverar.

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A preguiça é a doença do mundo inteiro, segundo a minha filosofia.
É por preguiça que deixamos chegar o fascismo.
É por preguiça que deixamos chegar a guerra.
É por preguiça que deixamos chegar o desemprego.
É por preguiça política que todas as catástrofes acontecem.
É por preguiça que perdemos o amor de nossos filhos (que poderíamos talvez reconquistar).
É por preguiça que paramos o nosso aperfeiçoamento pessoal.
Por todo lado encontramos a preguiça, a preguiça, a preguiça...
O Hitlerismo aqui, o Stalinismo lá, o fascismo lá...
Como é triste.... Não é possível ! É assustador !

Etienne Décroux
Criador da mímica corporal dramática.
Mais que filosofia do corpo, fez filosofia com o corpo.

domingo, março 05, 2006

Kairós

Porque o ser é kairós.
É a justa medida e é o sem-medida...

quarta-feira, novembro 23, 2005

Beijo

Ele me deu um beijo na boca e me disse:
A vida é oca como uma touca
de um bebê sem cabeça
E eu ri à beça
e ele: como a toca de raposa bêbada
e eu disse: chega da sua conversa
de poça sem fundo
eu sei que o mundo
é um fluxo sem leito
e é só no oco do seu peito
que corre um rio...

CVMM

segunda-feira, novembro 07, 2005

A espontaneidade da natura naturans e a sociedade

Coletivizo nomadicamente minhas notas de estudos.
Nas últimas semanas tenho "encenado" um certo diálogo entre o Guattari (sobre heterogênese, produção de subjetividade, processos de singularização) e o Negri (sobre o singular, o comum e a multidão).
Na mesma "cena", não exatamente dialogando, mas numa anárquica récita paralela, ecoam as inquietantes profecias caóticas de Hakim Bey.

Em primeiro lugar, o interesse pelas tecnologias metanóicas. O eterno interesse pelos meios, como primeiro passo para se considerar a possibilidade de sua coletivização.
Sim, porque é urgente se "democratizar o xamanismo"!
Se o anarquismo merece algum apreço e consideramos a possibilidade de, tal qual sábios "imperadores", não atrapalhar a espontaneidade da natura naturans, não atrapalhar o Tao, se adotamos, afinal, o Caos e sua "organização orgânica espontânea", então, É PRECISO DEMOCRATIZAR OS MEIOS DE SE DIRIGIR A LUZ DAS ESTRELAS...
Concordo com Hakim Bey: só é concebível anarquismo & xamanismo, conjugadamente.
Não tenho notícia de avanços mais significativos na "democratização do xamanismo" do que aquele propiciado pelas práticas espirituais afro-brasileiras. Não são as únicas, nem as primeiras. (Mesmerismo, hipnose, diversas práticas de psicoterapia corporal, diversas técnicas do transe e do êxtase...) Mas são especialmente nossas, belas e virtuosas.

Em segundo lugar, essa estranha substância do vínculo social: o amor.
Encontro no Caos esta estranha aproximação entre Eros e o comum, a comunicação e a comunidade. Erotismo polimorfo, certamente, mas não por isso purificado de suas formas carnais, donde a "estranheza" das formulações de HB. De novo, nem o único, nem o primeiro (Freud, Simmel, Bataille). Mas contemporâneo e contundente.
Umas das mais vertiginosas linhas de fuga abertas pelo Caos de HB é esse seu "sincretismo muito mais profundo entre anarquia & tantra", entre comunitarismo e erotismo, sobre cujas intensidades ainda não meditei o bastante, ainda não parei de procurar compreender...

Hakim Bey brada essas passagens "eróticas" (sua doutrina do "materialismo espiritual") especialmente quando Negri nos fala do "comum". E mesmo naquela "incomum" noite no Teatro Oficina, Negri também tentou falar no "amor" e, se me lembro bem, moralizou um pouco as coisas, "separando" a idéia de amor romântico ou erótico, por um lado, e o amor piedoso "cristão", por outro, reservando, assim, um terceiro sentido para esse "amor" que dá substância ao vínculo social... Foi isso, não? Veremos! Está tudo gravado...

Por enquanto, meu pensamento vai embora montado na vassoura dessas idéias relacionando a natura naturans e o socius, a espontaneidade e a socialidade...
Em geral, volto dessas viagens de vassoura com alguma pergunta de criança entre os dentes, do tipo: qual, afinal, a relação entre a espontaneidade e vivermos todos juntos?

domingo, novembro 06, 2005

Mônadas nômades

"De fato, simplesmente sugerimos que o Anarquismo Individual & o Monismo Radical sejam, daqui por diante, considerados um único & mesmo movimento.
Este híbrido tem sido chamado de 'materialismo espiritual', um termo que queima toda a metafísica no fogo da unidade entre espírito & matéria. Também gostamos de 'Anarquia Ontológica', porque sugere que o ato de ser permanece num estado de 'Caos divino', de total potencialidade, de criação contínua.
Neste fluxo incessante, apenas o desejo oferece qualquer princípio de ordem, &, portanto, a única sociedade possível (como bem compreendeu Fourier) é aquela formada por amantes
.
"
Hakim Bey, Caos..., p. XCII.

Phalansterio

Houaiss:
falanstério
Datação
1873 cf. DV

Acepções
■ substantivo masculino
1 Rubrica: filosofia, sociologia.
no fourierismo, organização comunitária concebida como uma realização plena da natureza humana, por meio do encontro entre princípios socialistas, como a propriedade coletiva dos meios de produção, e prescrições comportamentais, que incluem a plena liberdade sexual.
2 Derivação: por metonímia.
local onde vive e trabalha essa comunidade; falange.
3 Derivação: sentido figurado.
grupo que vive em comunidade; domínio onde ele vive e trabalha.


Etimologia
fr. phalanstère, de phalan[ge] + [mona]stère (1822) no sistema de Charles Fourier (1772-1837, utopista francês), 'unidade de trabalho que vive em comunidade', p.ext. (1841) 'imóvel que aloja diversas famílias'; ver falang(i/o)- e 2-tério; f.hist. 1873 phalansterio.

Máquina de guerra

Tecnotantra

"A aquisição da linguagem coloca-se sob o signo de Eros - toda comunicação é essencialmente erótica, todas as relações são eróticas. Avicena & Dante declararam que é o amor que move as estrelas & os planetas - tanto o Rig Veda quanto a Teogonia, de Hesíodo, proclamam o Amor como o primeiro deus a nascer depois do Caos. Afeições, afinidades, percepções estéticas, criações de beleza, convívio - todas as mais preciosas posses do Único surgem da conjunção entre o Ser & o Outro na constelação do Desejo.
Novamente, o projeto inciado pelo individualismo pode ser desenvolvido & revigorado com um enxerto de misticismo - especialmente o tantra. Como uma
técnica esotérica distanciada do hinduísmo ortodoxo, o tantra provê um contexto simbólico ('Rede de Jóias') para a identificação do prazer sexual & consciência não ordinária. Todas as seitas antinomianas contiveram alguns aspectos 'tântricos', desde as famílias de Amor & Fraternidade Livres & adamitas da Europa aos sufis pederastas da Pérsia & aos taoístas alquimistas da China. Até mesmo o anarquismo clássico usufruiu seus momemntos tântricos: os falanstérios de Fourier; o 'Anarquismo Místico' de G. Ivanov & outros simbolistas russos do fim do século; o erotismo incestuoso de Sanine, de Arzibashaev; a estranha combinação de niilismo & adoração à deusa Kali que inspirou o Partido Terrorista de Bengala (ao qual meu guru tântrico, Sir Kamanaransan Biswas, teve a honra de pertercer)...
Nós, no entanto, propomos um sincretismo muito mais profundo entre anarquia & tantra do que qualquer um desses exemplos. De fato, simplesmente sugerimos que o Anarquismo Individual & o Monismo Radical sejam, daqui por diante, considerados um único & mesmo movimento.
"
Hakim Bey, Caos..., pp. XCI-XCII.

Tecnumbanda

"O anarquismo necessita afastar-se do materialismo evangélico & do banal cientificismo do século XIX. 'Estados mais elevados de consciência' não são meros FANTASMAS inventados por padres malignos. O Oriente, o oculto, as culturas tribais possuem técnicas que podem ser 'apropriadas' de uma forma anarquista. Sem 'estados mais elevados de consciência', o anarquismo acaba & se resseca num certo tipo de miséria, a reclamação chorosa. Precisamos de um tipo prático de 'anarquismo místico', livre de toda merda New Age & inexoravelmente herético & anticlerical; ávido por todas as novas tecnologias de consciência & metanóia - uma democratização do xamanismo, embriagada & serena."
Hakim Bey, Caos..., p.LXXXV.

quinta-feira, outubro 13, 2005

espontaneidade da natura naturans

Cada consciência iluminada é um "imperador", cuja a única forma de reinado é não fazer nada para não atrapalhar a espontaneidade da natureza, o Tao. (HB)

A justiça não pode ser obtida sob nenhuma lei que seja - uma ação que está de acordo com a natureza espontânea, uma ação justa, não pode ser definida por dogmas. (HB)

Paradoxo: adotar o Caos não é escorregar para a entropia, mas emergir para uma energia semelhante à das estrelas, um espécime de graça instantânea - uma organização orgânica espontânea completamente diferente das pirâmides sociais putrefatas dos sultãos, muftis, cádis & carrascos. (HB)

domingo, outubro 02, 2005

Feitiçaria

A feitiçaria não infringe nenhuma lei da natureza porque não existe nenhuma Lei Natural, apenas a espontaneidade da natura naturans, o Tao. A feitiçaria viola as leis que procuram deter o seu fluxo - padres, reis, hierofantes, místicos, cientistas & vendedores consideram a feitiçaria uma inimiga porque ela representa uma ameaça para o poder de suas charadas & à resistência de sua teia ilusória.
HB

Aja como se já fosse livre

O modelo social natural para o anarquismo ontológico é uma gangue de crianças...
HB

Crianças selvagens

seus gestos & cheiros emanam para seu entorno uma selva de presença...
HB

Equilibrados sobre a onda da presença explícita

Agentes do caos lançam olhares ardentes a qualquer coisa ou pessoa capaz de suportar ser testemunha de sua condição, sua febre por lux et voluptas. Estou desperto apenas no que amo & desejo até o limite do terror...
HB

Intermezzo

O nômade tem um território: ele segue caminhos conhecidos, ele vai de um ponto a outro; ele não ignora esses pontos (pontos de água, pontos de duelos, pontos de ajuntamentos, etc...) Mas a questão é o que na vida nômade é um princípio e o que é apenas uma conseqüência. Para começar, embora os pontos determinem caminhos, eles são estritamente subordinados aos caminhos que eles determinam. O reverso acontece com o sedentário. O ponto de água é alcançado somente para ser deixado para trás; todo o ponto é uma jornada e existe apenas como uma jornada. Um caminho está sempre entre dois pontos, mas esse entre-ponto traz toda a consistência e mostra a autonomia e a própria direção. A vida nômade é o ‘intermezzo’.
D&G

Subordinados ao caminho

Um caminho e seus pontos:

1) "O Teatro e a Cultura", prefácio de O Teatro e seu Duplo de Antonin Artaud, 1938.
2) "Atletismo afetivo" em O Teatro e seu Duplo de Antonin Artaud, 1938.
3) "28 de novembro de 1947: como criar para si um Corpo sem Órgãos", em Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, 1980.
[4) Jamais fomos modermos de Bruno Latour, 1991]
5) "Território Livre" na 26ª Bienal de Arte de São Paulo, dezembro de 2004.
6) Parte I de O que é a filosofia? de Gilles Deleuze e Félix Guattari, 1991.
7) "Imanência. Uma vida..." de Gilles Deleuze.
8) Caos - terrorismo poético & outros crimes exemplares de Hakim Bey.

Mensagem para Aury

O grupo está num momento bem "nômade", eu diria que numa fase menos "estudos" e mais "esquizoanalítica". Não estamos lendo nenhuma grande obra, mas panfletos poético-políticos que, curiosamente, nos provocam a pensar no que estamos fazendo com nossas vidas, em como estamos vivendo o nosso tempo...
Se o teu momento de vida vem sendo intenso, acho que você não estará alienada do grupo...

terça-feira, setembro 06, 2005

Melhor que roubar...



Jailtão, 1999

terça-feira, agosto 30, 2005

CRIME

Depois de ler o panfleto, veio uma imagem: a de um mergulhador.

Nos revestimos de dogmas. Eles nos vestem como a um megulhador: roupa de borracha bem grudada ao corpo (protecao contra o frio que nao nos impede de sentirmos calor ou sufocamento), pes-de-pato, cilindro de oxigenio...O problema eh que a materia que nos envolve nao eh agua, eh ar. Andamos desajeitadamente, com grande dificuldade, na certeza de que estamos o mais adequado possivel.

Cometer crimes e nao ser descoberto.O crime nao eh pessoal. Provocar o caos. Arranca-se o cilindro. Nao ser descoberto, ja que o crime pode ser justificado (armadilha dos oculos embacados) pela percepcao da falta de algum aparelho de mergulho no criminoso. A materia que envolve o contexto continua la, inquestionavel.

Cilindro de oxigenio, presente antigo. Foi o primeiro dos presentes daquele recem-nascido, antes mesmo do sapatinho ou casaquinho de lã.


Ju

quarta-feira, agosto 24, 2005

Terrorismo poetico!!!

Paulista com Pamplona, paro no farol. Tempo demorado, espero impaciente. Olho para o outro lado da rua: uma mulher, roupas velhas e imundas, ela inteira imunda, uma mendiga. Tambem espera (o farol?). Parece inquieta, observa tudo e todos. Pára o olhar em duas mulheres que conversam, distintas, provavelmente comentam coisas corriqueiras, amenidades. Num ato subito, a mendiga, quase invisivel para as duas, curva-se para frente e mostra suas indecencias. Susto, grito, uma delas pula pra tras, desviam daquela cena, querem atravessar a rua por entre os carros. Assusto-me, incomodo. O farol abre, incomodo. A mendiga vem em minha direcao, incomodo. Disfarco, desvio o olhar, apresso o passo, nada demais aconteceu, ela nao existe. Passou, passamos uma do lado da outra. Incomodo. Vem o pensamento: monstros nao podem existir.

Tempo escondido

Quando crianca, era um tormento ir dormir. O quarto estava povoado de vozes assustadoras, barulhos, sombras. Os pais, acalento, diziam que monstros nao existiam, tudo invencao. Em momentos de maior desespero, escondia-me embaixo das cobertas e repetia quase como um mantra: monstros nao existem. Foi a forma de sobreviver ate, pelo menos, o dia seguinte.

quarta-feira, julho 06, 2005

Diagnosticar os fluxos de desterritorialização-reterritorilização...

"Diagnosticar os devires, em cada presente que passa, é o que Nietzsche atribuia ao filósofo como médico, 'médico da civilização' ou inventor de novos modos de existência imanentes. A filosofia eterna, mas também a história da filosofia, cedem lugar a um devir-filosófico. Que devires nos atravessam hoje, que recaem na história, mas que dela não provêm, ou antes, que só vêm dela para dela sair?"
D&G, O que é a filosofia? (São Paulo, Ed.34, 1992; pp.145-6).

sábado, julho 02, 2005

Exílios

E aí galera nômade!
Ontem assisti a um filme nômade, um filme sobre nômades: Exílios.
Alguém viu? Deve ser visto.
É um road-movie a européia, um road-movie andarilho, road-movie cigano, mas, sobretudo, o primeiro road-movie do terceiro milênio. Ele realmente atualiza o gênero: é o que pode ser a "road" hoje, é o que pode ser a viagem, o contato com a diferença, o "despaisamento" (depaysement), o "estrangeiro", num mundo percorrido por multidões nômades, em exílio (prontas para o ÊXODO?)...
O casal francês - descendentes de argelinos (filhos de exilados, ontem) - resolve partir a pé para a Argélia, atravessando a Andaluzia com toda sua "mestiçagem" árabe-européia temperada pela força "desterritorializante" dos gitanos...
Sua viagem é no contrafluxo das multidões de exilados argelinos e outros exilados que, hoje, se deslocam para a França...
Mas eles, com seus “territorializantes” passaportes europeus, se descobrem não menos exilados nesse mundo e são mesmo exilados que retornariam ao lar, a um lar em que nunca antes estiveram. E são acolhidos, calorosamente acolhidos como velhos membros da família (agnática!)...
Na existência nômade, em toda parte se está em casa, mas também, em toda parte se é estrangeiro, como descobre a garota ao chegar à Argélia...
Em suma, um filme muito interessante para uma discussão sobre o que está em curso na bolinha azul. Para uma discussão política. Isto é, biopolítica.
O filme, nesse sentido, é realmente muito bom e se caracteriza, estranha e significativamente, como um "road-movie sociológico". O velho gênero dos jovens "em revolta" que põem o pé na estrada é atualizado numa versão que compendia os aspectos mais fundamentais da mutação sócio-política em curso. Trata-se de um filme sobre o processo de plasmação de multidões nômades, em exílio (prontas para o ÊXODO?)...
Um filme político: a música com que abre a primeira cena do filme fala de DEMOCRACIA. Merece uma atenção especial, cada diálogo, cada canção do filme, suas letras, sem contar as músicas (do próprio diretor cigano, Tony Gatlif), que são alucinantes...
Em cada detalhe, é possível perceber essa composição cuidadosa de uma imanência cinematográfica em que os personagens afetivos, aqueles que sofrem a história na carne, são também aqueles que são a carne da história, isto é, são também os protagonistas potenciais de uma nova invenção biopolítica. As subjetividades em exílio preparariam o caminho do ÊXODO...
Imanência cinematográfica em que as multidões são, elas mesmas, protagonistas dessa história, com suas redes de cooperação, confiança, solidariedade, enfim, em que as multidões aparecem como predestinados sujeitos históricos da DEMOCRACIA, entendida, assim, como a produção biopolítica que lhe é própria.
Enfim, dá para conversar de tudo isso e muito mais a partir desse filme. Quem puder ver, sugiro.
Eu o elejo "cinegrafia" básica de nosso grupo de estudos.

Abração geral.
Ricardo

Pra quem quiser ter uma prévia com trailer e outros babados, só clicar aqui:
Exílios

sexta-feira, julho 01, 2005

O ACONTECIMENTO...

"Tudo em Lewis Carroll começa por um combate horrível. É o combate das profundezas: coisas arrebentam ou nos arrebentam, caixas são pequenas demais para seu conteúdo, comidas são tóxicas ou venenosas, tripas se alongam, monstros nos tragam. Um irmãozinho usa seu irmãozinho como isca. Os corpos se misturam, tudo se mistura numa espécie de canibalismo que reúne o alimento e o excremento. Mesmo as palavras se comem. É o domínio da ação e da paixão dos corpos: coisas e palavras se dispersam em todos os sentidos ou, ao contrário, soldam-se em blocos indecomponíveis. Nas profundezas tudo é horrível, tudo é não-senso. Alice no país das maravilhas era para intitular-se inicialmente As aventuras subterrâneas de Alice.
(...)
Não que a superfície tenha menos não-senso do que a profundidade. Mas não é o mesmo não-senso. O da superfície é como a ‘Cintilância’ dos acontecimentos puros, entidades que nunca terminam de chegar nem de retirar-se. Os acontecimentos puros e sem mistura brilham acima dos corpos misturados, acima de suas ações e paixões emaranhadas. Como um vapor da terra, desprendem na superfície um incorpóreo, um puro ‘expresso’ das profundezas: não a espada, mas o brilho da espada, o brilho sem espada como o sorriso sem gato. Coube a Carroll ter feito com que nada passasse pelo sentido, apostando tudo no não-senso, já que a diversidade dos não-sensos é suficiente para dar conta do universo inteiro, de seus terrores como de suas glórias: a profundidade, a superfície, o volume ou superfície enrolada.


GD, Crítica e Clínica (São Paulo, Ed.34, 1997; pp.31-2)

sexta-feira, junho 24, 2005

O SORRISO ...

sexta-feira, junho 10, 2005

IMANÊNCIA....

No fundo
Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra - 1995

em cima de cima assim e acima
sobre do alto e de alto a baixo debaixo
ao lado atrás e de lado a lado detrás e
sob acolá e além de ali depois pelo
centro entre de fora dentro na frente
e já de agora em frente e daqui
defronte através e rente

no fundo no fundo no fundo no fundo

em pé de repente perto envolvido em
torno envolvendo em volta e de volta
já e também no meio na mosca no alvo
na hora fora daqui mas a poucos pés pouco
a pouco aos pés através atrás de viés
e em e ainda mais e ainda agora e a
cada vez de uma vez ainda

no fundo no fundo no fundo no fundo

ante e antes de então e então durante
e enquanto aqui por enquanto adiante
avante acerca e portanto ao largo ao
redor e lá e nos arredores nos cantos
cá de passagem logo tangente longe
distante hoje de ontem onde depois de
onde pra onde onde

no mundo no mundo no mundo no mundo


extraído do site www.arnaldoantunes.com.br

terça-feira, maio 31, 2005

Bebês - Personagens Conceituais

Deleuze e os bebés
(postado no blog Rizomando em 30 de agosto de 2003)

"É talvez pelo personagem conceptual do bebé que Gilles Deleuze mostra talvez da forma mais profunda essa relação da vida imanente ao pensamento. A vida, na sua relação mais singular com um pensamento impessoal encarna-se na figura do bebé. Ele é inteiramente singularidade pré-individual, anterior a todas as manifestações do subjectivo. Todos os bebés se assemelham mas mostram expressões que os atravessam completamente, como um sorriso ou uma mímica. Essas expressões são as manifestações de uma vida que percorre e que singulariza, sem individualizar, o bebé. Essa anterioridade do subjectivo deixa o bebé num indefinido que não pertence senão ao sensível. Ele não é sensivelmente indeterminado sem ser ao mesmo tempo determinado como objecto sobre o plano de imanência, isto é, como consciência pré-reflexiva sem ego [moi]. Ele pertence, pois, ao campo transcendental sem consciência. Ele é um puro acontecimento que percorre todo o campo [p. 265].

O bebé assume também a forma mais típica das vontades de potência. Ele opõe-se ao guerreiro cuja função é apenas a de destruir e de dominar. O guerreiro, nessa forma mais baixa da vontade de potência, aplica ainda um julgamento. Ele reparte as partes e, nessa distribuição, age segundo um princípio de julgamento. O bebé não reparte as partes, mas, antes, as percorre de forma nómada. Nesse aspecto o bebé é o grande desterritorializado. Ele salta as cercas, ultrapassa os limites e não distribui, nunca, as partes, fundamento da faculdade de julgar. O guerreiro é grande enquanto o bebé é pequeno" [p. 271].

Stéfan Leclercq. "Deleuze et les bébés". Concepts. Número fora de série sobre Gilles Deleuze. Janeiro de 2002. Sils Maria Édition, Paris: 258-273. [tradução de Tomas Tadeu da Silva]
in

sexta-feira, maio 27, 2005

A GRANDE ALEGRIA



Farnese (1966-78)

A imanência: uma vida...

"Um dia, a base de um possível móvel em estilo antigo, um ovo de madeira daqueles de costura, uma cabeça de santo de gesso e uma bola de gude se juntaram, e 'aconteceu' o meu primeiro objeto.
(...)
Um dia encontrei [no Barrio Chino de Barcelona] um enorme saco plástico contendo desde a certidão de nascimento de uma tal 'Dolores Masorrales', suas recordações, pequenos objetos, cartões-postais, fotos de época e até recibo da pensão que obtinha do marido morto na guerra civil. Foi uma felicidade, um estranho prazer que senti ao examinar aquela documentação toda, quase como se estivesse roubando ou me apossando daquele ser humano que existiu, amou e sofreu como todos nós. Um amigo também artista me aconselhou a fazer uma enorme caixa-ambiente desse material. Para quê? Só a sensação que tive ao viver parte da vida daquela que foi Dolores Masorrales foi mais que suficiente. Aproveitei apenas algumas fotos e cartões-postais.
O prazer que me proporcionam esses achados nas mais variadas fontes, o encontro de duas peças que se completam, às vezes até existentes no caos do meu ateliê, e o ver a obra pronta, completa, definitiva. É aí que reside minha grande alegria."


Extraído do texto "A grande alegria" de Farnese de Andrade, 1976.

domingo, maio 22, 2005

INTUIÇÃO

"Que toda filosofia depende de uma intuição, que seus conceitos não cessam de desenvolver até o limite das diferenças de intensidade, esta grandiosa perspectiva leibniziana ou bergsoniana está fundada se consideramos a INTUIÇÃO como o envolvimento dos movimentos infinitos do pensamento, que percorrem sem cessar um plano de imanência."

Trecho extraído da pg.56, do cap. "Plano de Imanência", do Livro O que é a filosofia? D&G

sábado, maio 21, 2005

filosofia?

Algo continua me intrigando: a partir de quando estamos fazendo filosofia? Será que vez ou outra não nos lançamos no caos, querendo preservá-lo e buscando planos de imanência sem saber disso? É necessário querer fazer filosofia para fazê-la? As vezes me parece que racionalizar nos leva a transcender. Não foi o Wittgenstein que falou que a lógica tem um pé na metafísica?

Aquilo que está entre um pensamento e outro (tecido sobre a qual se debruça a filosofia segundo o Ricardo) não pode ser chamado de intuição?

Intuição: arte? filosofia?

Ao confessar que tenho muita dificuldade de ler e escrever me dá vontade de ler muito e escrever mais. Por puro desafio. Não quero estudar filosofia mas quero experimentar um pouco daquela faísca que risca por traz dos olhos do Ricardo.

O cheiro da imanência instiga a minha constante vontade de experimentar. Começa a espreita, a ronda. O que isso poderá depertar no meus hábitos?

Gostaria de ir até o fim do livro!

Marco

domingo, maio 01, 2005

Bom dia, coletividade!
Depois de uma noitada deleuzeana, relendo o "plano de imanência" (e correndo sobre ele em suas velocidades infinitas), resolvo dar um passeio pelo nosso blog nessa manhã de domingo e - ôpa! - descubro que ele afinal se move... A Coletividade se convida a assistir a entrevista de amanhã com o Renato Janine Ribeiro. Excelente idéia! O cara é mesmo muito legal e um pensador brilhante. Daqueles raros professores de filosofia que nos estimulam a pensar... Já que foi dada a referência de seu site pessoal, aproveito para acrescentar que, há uns dois anos, nós fizemos uma entrevista com ele para a revista Interface, que ele também publicou em seu site: entrevista para Interface. Aliás, foi um número sobre "Ética e Direitos Humanos" que ficou todo muito bom: revista Interface (procurar o número 12).
A Coletividade também se convidou há alguns dias a visitar a exposição do Itaú Cultural sobre o "corpo na arte contemporânea brasileira". Outra ótima idéia. Devemos fazê-lo! Mas a exposição mais indispensável neste momento na cidade é a do Farnese que está no CCBB. Espíritos sensíveis, cuidado! Talvez seja melhor sorvê-la em pequenas doses... Para quem for, não deixe de assistir ao filme-documentário do Olívio Araújo que é exibido "non stop". Há muito o que discutir nessa obra da perspectiva de nossos estudos espinosanos-deleuzeanos: o seu caráter de uma "arte menor" ou seu "devir minoritário", o plano de imanência (aqui tomado como um plano de composição), os conceitos (aqui tomados como "blocos de sensação" ou afectos ou perceptos), os personagens conceituais (figuras estéticas) e, até mesmo ou sobretudo, a "grande alegria" (a Grande Saúde desta obra profundamente triste e perturbadora). Enfim, uma exposição a ser invadida por hordas nômades. Uma exposição que invade nosso espírito e o povoa de afectos nômades...
E o que mais, agora? Só mais uma vez, desafiar a coletividade a "coletivizar-se"... Poderíamos antes de cada encontro lançar pontes entre o discutido e o por se discutir. Dos "conceitos" ao "plano de imanência"... Lançada a ponte podemos, é claro, (per)corrê-la em todos os sentidos... Quem se habilita?
Meu toque didático: especial atenção ao exemplo III!
Até terça, 3!
INFORME
Colegas CsO,
Amanhã, segunda-feira (02/05), no programa Roda Viva da TV Cultura às 22:30, será entrevistado o filósofo brasileiro Renato Janine RIbeiro.
Professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, na qual se doutorou após defender mestrado na Sorbonne. Tem se dedicado à análise de temas como o caráter teatral da representação política, a idéia de revolução, a democracia, a república, a cultura política brasileira. Entre suas obras destacam-se "A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil" (2000, Prêmio Jabuti de 2001) e "A universidade e a vida atual - Fellini não via filmes" (2003).
Para ler alguns de seus artigos, tem o seusite pessoal www.renatojanine.pro.br
Ele também é colunista da página da AOL.

quinta-feira, abril 14, 2005

Coletividade Nômade - Máquina de Guerra - Família Agnática

Não se faz uma Coletividade Nômade impunemente. Talvez nosso principal objetivo enquanto grupo, no momento, seja descobrir o que isso significa, o que isso pode...

Nomos quer dizer ordem, lei. Por que caminhos tortos aquilo que significava o não sedentário, o disperso, o distribuído, chegou a significar o que foi capturado pela religião e pelo Estado? Estaremos realmente prontos para subtrairmos nossa existência das máquinas de captura, para nos redispersarmos, para reencontrarmos as estepes? Perguntamo-nos o que é a filosofia. Mas estamos realmente prontos para subtrairmos nosso pensamento ao modelo teológico e de Estado? Estamos realmente prontos para construir uma máquina de guerra?

D&G, axioma II do Tratado de Nomadologia: “A máquina de guerra é a invenção dos nômades (por ser exterior ao aparelho de Estado e distinta da instituição). A esse título, a máquina de guerra nômade tem três aspectos: um aspecto espacial-geográfico, um aspecto aritmético ou algébrico, um aspecto afectivo.

Dizemo-nos um “coletivo”, talvez uma “família” (de beduínos, certamente). Um certo “espírito de corpo”. Como já nos definimos como um “Coletivo CsO”, sabemos que...

Um corpo não se reduz a um organismo, assim como o espírito de corpo tampouco se reduz à alma de um organismo. O espírito não é melhor, mas ele é volátil, enquanto a alma é gravífica, centro de gravidade. Seria preciso invocar uma origem militar do corpo e do espírito de corpo? Não é o ‘militar’ que conta, mas antes uma origem nômade longínqua. Ibn Khaldoun definia a máquina de guerra nômade por: as famílias ou linhagens, mais o espírito de corpo. A máquina de guerra entretém com as famílias uma relação muito diferente daquela do estado. Nela, em vez de ser célula de base, a família é um vetor de bando, de modo que uma genealogia passa de uma família a outra, segundo a capacidade de tal família, em tal momento, em realizar o máximo de ‘solidariedade agnática’. A celebridade pública da família não determina o lugar que ocupa num organismo de Estado; ao contrário, é a potência ou virtude secreta de solidariedade, e a movência correspondente das genealogias, que determinam a celebridade num corpo de guerra. Há aí algo que não se reduz nem ao monopólio de um poder orgânico nem a uma representação local, mas que remete à potência de um corpo turbilhonar num espaço nômade.

Genial a idéia de visitarmos a exposição sobre o corpo na arte... Quando falamos em corpos, coletivos, nômades e máquinas de guerra, “o que queremos dizer, na verdade, é que os corpos coletivos sempre têm franjas ou minorias que reconstituem equivalentes de máquinas de guerra, sob formas por vezes muito inesperadas, em agenciamentos determinados tais como construir pontes, construir catedrais, ou então emitir juízos, ou compor música, instaurar uma ciência, uma técnica...

Isso tudo não é um texto para discussão. É uma advertência. De qualquer forma, não há mais volta. Já começamos a constituir uma “família agnática”. Já somos um pouco parentes...

quarta-feira, abril 13, 2005

Legal + um "espaço" para nossos encontros !!!
Vou iniciar minha interação, com um informe e não com questões.
Está acontecendo no Itaú Cultural uma exposição cujo a temática é o corpo na arte contempôranea brasileira.
o corpo: 30 de março a 29 de maio: exposição retrata o corpo em 114 obras de 80 artistas, dos anos 60 até a atualidade.
itaucultural.org.br
Pode ser uma boa entrada para a discussão proposta pelo Ricardo sobre as potencialidades do Corpo.
Talvez possamos fazer alguma coisa semelhante a nossa visita à Bienal ???
Tarcísio
nossa gente tô tão emocionada..nunca entrei num blog antes!
alias achei a discussao de sabadao fantastica! amei! estou louca pra logo logo voltarmos a nos reunir e descobrir "o que é filosofia"
alo! alo! deleuzianos de plantao...força na peruca!!1
bjao
ju