sexta-feira, maio 27, 2005

A imanência: uma vida...

"Um dia, a base de um possível móvel em estilo antigo, um ovo de madeira daqueles de costura, uma cabeça de santo de gesso e uma bola de gude se juntaram, e 'aconteceu' o meu primeiro objeto.
(...)
Um dia encontrei [no Barrio Chino de Barcelona] um enorme saco plástico contendo desde a certidão de nascimento de uma tal 'Dolores Masorrales', suas recordações, pequenos objetos, cartões-postais, fotos de época e até recibo da pensão que obtinha do marido morto na guerra civil. Foi uma felicidade, um estranho prazer que senti ao examinar aquela documentação toda, quase como se estivesse roubando ou me apossando daquele ser humano que existiu, amou e sofreu como todos nós. Um amigo também artista me aconselhou a fazer uma enorme caixa-ambiente desse material. Para quê? Só a sensação que tive ao viver parte da vida daquela que foi Dolores Masorrales foi mais que suficiente. Aproveitei apenas algumas fotos e cartões-postais.
O prazer que me proporcionam esses achados nas mais variadas fontes, o encontro de duas peças que se completam, às vezes até existentes no caos do meu ateliê, e o ver a obra pronta, completa, definitiva. É aí que reside minha grande alegria."


Extraído do texto "A grande alegria" de Farnese de Andrade, 1976.